segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Gota de água


Foto de Óscar Fonseca aqui


Eu, quando choro
não choro eu.
Chora aquilo que nos homens
em todo o tempo sofreu.
As lágrimas são as minhas
mas o choro não é meu.


António Gedeão

domingo, fevereiro 27, 2005

Million dollar baby





Porque o mar também gosta de ir ao cinema, e porque hoje é noite de Óscares, aqui fica uma referência a um excelente filme. Mais do que uma história sobre boxe é uma história sobre pessoas e emoções, bem contada e bem interpretada.
And the Oscar goes to...

A Concha


Foto de Alexandre NT aqui


A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.


Vitorino Nemésio

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Sabedoria


Starry night de Van Gogh
aqui


Desde que tudo me cansa,
Comecei eu a viver.
Comecei a viver sem esperança...
E venha a morte quando
Deus quiser.

Dantes, ou muito ou pouco,
Sempre esperara:
Às vezes, tanto, que o meu sonho louco
Voava das estrelas à mais rara;
Outras, tão pouco,
Que ninguém mais com tal se conformara.

Hoje, é que nada espero.
Para quê, esperar?
Sei que já nada é meu senão se o não tiver;
Se quero, é só enquanto apenas quero;
Só de longe, e secreto, é que inda posso amar.
E venha a morte quando Deus quiser.

Mas, com isto, que têm as estrelas?
Continuam brilhando, altas e belas.


José Régio

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Chove!


Foto de Pedro Pinto aqui


Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.


José Gomes Ferreira

terça-feira, fevereiro 22, 2005

A beleza


Nascimento de Vénus (detalhe) de Sandro Botticelli
aqui



A beleza
Sempre foi
Um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe,
E quando existe não dura.
A beleza
Não é mais que o desejo
Fremente
Que nos sacode...
- O resto, é literatura.


António Botto

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Perdido




Entrei numa livraria. Puz-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria. Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estarei perdido.


Almada Negreiros

domingo, fevereiro 20, 2005

Quase


Foto de André Maia aqui


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão,
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase , dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos onde nunca puz um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além,
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Mário de Sá- Carneiro

sábado, fevereiro 19, 2005

Tranquilidade


Foto de Ricardo Cordeiro
aqui



... e naquele mar calmo
onde abundam lábios de tranquilidade
e onde as aves voam
apenas a meio metro de altura
quase que a beijarem a água
vinha ela - a esperança - de braços abertos
por entre aves e flores
a correr em câmara lenta
na vontade de abraçar todas as estrelas
e abri-las num lençol de prata
para cobrir em berço de sol
as lágrimas das crianças esquecidas


Vento

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Pausa breve na Poesia... ou talvez não

Nem só de poesia vive o Homem.
Sugiro uma visita ao Centro de Histocompatibilidade do Sul, aqui .
Um gesto nosso pode contribuir para que a esperança não seja uma palavra vã.
Acender um sorriso também é uma forma de poesia, não é?

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Não sei se é amor que tens


Foto de J. Pessoa aqui


Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
Já que o não sou por tempo,
Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
É verdadeira. Aceito.
Cerro olhos: é bastante.
Que mais quero?


Ricardo Reis

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

O meu olhar


Foto daqui


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia : tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...


Alberto Caeiro

terça-feira, fevereiro 15, 2005

Do meu amigo Vento





Todas as coisas que há neste mundo
Têm uma história,
Excepto estas rãs que coaxam no fundo
Da minha memória.

Qualquer lugar neste mundo tem
Um onde estar.
Salvo este charco de onde me vem
Esse coaxar.

Ergue-se em mim uma lua falsa
Sobre juncais,
E o charco emerge, que o luar realça
Menos e mais.

Onde, em que vida, de que maneira
Fui o que lembro
Por este coaxar das rãs na esteira
Do que deslembro?

Nada. Um silêncio entre juncos dorme.
Coaxam ao fim
De uma alma antiga que tenho enorme
As rãs sem mim.


Fernando Pessoa


(Poema e imagem enviados pelo meu amigo Vento)

sábado, fevereiro 12, 2005

Poema sobre a canção da esperança


Foto daqui

Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios -
Os melhores lírios -
E as melhores rosas
Sem receber nada,
a não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também.


Álvaro de Campos

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Amiga




Deixa-me ser a tua amiga, Amor,
A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.

Que só de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa? O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...
Como se os dois nascessemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca
Guardar assim, fechados, nestas mãos,
Os beijos que sonhei pra minha boca!...


Florbela Espanca

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Solidão



Mar tão azul e sereno, o brilho reflectido do sol, sem gaivotas nem qualquer vela, a solidão no estado puro.



quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Onda contra onda


Foto de Miguel Costa
aqui


O que faz a vida valer a pena é essa constante incerteza quanto ao momento seguinte.
É isso que nos estimula a inventar,a criar, a realizar, a tentar melhorar o nosso mundo...


(Autor desconhecido)


terça-feira, fevereiro 08, 2005

Recomeço

Recomeço o caminho com passos incertos. Não sei qual o destino nem a duração da viagem. Sei que quero partir, abrir novos horizontes, descobrir a cor do mar.