sexta-feira, junho 30, 2006

Basta falar do fogo...


Foto de Duke aqui


Basta falar do fogo como quem
com ele só se veste , só se abraça?
falar com a metáfora mais exacta
e não ardendo nele? não pensando

as chagas amoradas que no sangue
se movem em sigilo como a chama
(apelo, ardência de olhos em repouso)?
Sem dúvida que o fogo é já consumo,

conhecimento, sorte de afogado
consciente da água e da aventura
de tudo estar em causa, e da procura.

Que albergues fogo e água, no teu ventre,
e terra, ó elementos de revolta
transportadores de febre e de experiência.


Nuno Guimarães

terça-feira, junho 27, 2006

Outono do amor que folhas moves


Foto do Google


Outono do amor que folhas moves
na direcção dos corpos separados
e molhas desses prantos ignorados
de quem da primavera conheceu o

movimento das aves
e desse movimento estas esperas
agora só conhece já e ouve
a própria descida com as folhas

a voz própria cansada
quando a vida
e a voz lhes está a dor tirando

Outono do amor outono de aves
e de vozes caladas e de folhas
molhadas de temor e surdo pranto


Gastão Cruz

quarta-feira, junho 21, 2006

Ninguém meu amor


Foto de Pedro Conceição aqui



Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos


Sebastião Alba

segunda-feira, junho 12, 2006

Ausente...

.
O azul da noite entra pela janela aberta e reflecte-se no tecto do quarto.
A serenidade só é interrompida pelo ruído das folhas das árvores agitadas pela brisa leve.
Fecho os olhos e mergulho no lago dos sonhos, como quem mergulha no mar.

.................................................

...voltarei dentro de dias.
.

terça-feira, junho 06, 2006

Baixo-relevo


Foto de João Tomás aqui



Dentro de um secular sossego
nós somos
a escultura de amanhã

(trilhos de formiga
descem no cabelo
patinado de pó o coração)

Tu e eu
só estátuas de amanhã
Não temos na mão a flor
um livro uma espingarda
uma cadeira gasta onde morrer
E sem o monstro gótico apunhalado aos pés

(Todos os sonhos são de pedra ou bronze
não os meus de palha ou papel)

Tu e eu
baixo-relevo
vendidos tocados expostos em vida
perseguidos pelos milionários
e pelos mortos talvez que invadiram já
o pedestal das estátuas

Tu e eu
elípticos de sexo
ontem gritada no teu peito
hoje secreto no meu ventre

deserdados da sombra
já sem gesto
escultura de amanhã



Luiza Neto Jorge

sábado, junho 03, 2006

A paz


Pomba da Paz (Picasso)



Se eu te pedisse a paz, o que me darias
pequeno insecto da memória de quem sou
ninho e alimento? Se eu te pedisse a paz,
a pedra do silêncio cobrindo-me de pó,
a voz limpa dos frutos, o que me darias
respiração pausada de outro corpo
sob o meu corpo?

Perdoa-me ser tão só, e falar-te ainda
do meu exílio. Perdoa-me se não te peço
a paz. Apenas pergunto: o que me darias
em troca se ta pedisse? O sol? A sabedoria?
Um cavalo de olhos verdes? Um campo de batalha
para nele gravar o teu nome junto ao meu?
Ou apenas uma faca de fogo, intranquila,
no centro do coração?

Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza. Falo de mim,
entrego-te o meu destino. E a morte vivo
só de perguntar-te : o que me darias
se te pedisse a paz
e soubesses de como a quero construída
com as matérias vivas da liberdade?


Casimiro de Brito