domingo, setembro 30, 2007

Naturalidade




Europeu, me dizem.
Eivam-me de literatura e doutrina
europeias
e europeu me chamam.

Não sei se o que escrevo tem a raiz de algum
pensamento europeu.
É provável... Não. É certo,
mas africano sou.
Pulsa-me o coração ao ritmo dolente
desta luz quebranto.
Trago no sangue uma amplidão
de coordenadas geográficas e mar Índico.
Rosas não me dizem nada,
caso-me mais à agrura das micaias
e ao silêncio longo e roxo das tardes
com gritos de aves estranhas.

Chamais-me europeu? Pronto, calo-me.
Mas dentro de mim há savanas de aridez
e planuras sem fim
com longos rios langues e sinuosos,
uma fita de fumo vertical,
um negro e uma viola estalando.



Rui Knopfli
(in Memória Consentida)




Rui Manuel Correia Knopfli nasceu em Inhambane em 1932 e faleceu em Lisboa em 1997. A sua poesia constitui um dos edifícios fundadores da literatura moçambicana moderna.




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quinta-feira, setembro 27, 2007

Viagem

A caminho entre Maputo e Inhambane...














Para habitar as planícies da ausência
e escalar os montes do tempo
que não vives
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eis a secreta viagem
duma ave imaginária
em busca do instante
onde tudo recomeça.



Armando Artur
(in Espelho dos Dias)

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segunda-feira, setembro 24, 2007

Maputo


Preciso dizer-te com carácter de urgência.
Preciso revelar-te na palavra e no silêncio.
Preciso sublimar a minha solidão na sombra
das palavras e dos gestos acordando
na imensidão dos dias vozes duendes
como se me albergasses na infância.
Preciso amar-te com urgência. Amar-te
como palavras. Sussurrar-te minhas ânsias.
Adormecer minha voz no teu ouvido.
Perscrutar o som do silêncio. Dizer-te
com urgência inadiável que te amo.
Preciso amar-te ó meu amor amado.
Preciso amar-te como quem ama
pela última vez. Amar-te como se fosse
um voo agónico. Amar-te na margem
da ausência tua. Amar-te nas canções
que oiço pela manhã. Nas vozes espantadas
das mulheres no Xipamanine. Preciso
de te amar neste trajecto dorido por Maputo
com estas vozes que atravessam a noite.
Preciso amar-te com urgência. Amar-te agora e sempre.
Preciso de te amar somente.
Dizer-te: amo-te, minha musa, meu amor amado.
Preciso de te amar. Amar. Amar-te simplesmente.


Nelson Saúte

(poema retirado daqui )



Nelson Saúte nasceu em Lourenço Marques ( Maputo) em 1967. Jornalista cultural e comentador político, colaborou na imprensa, rádio e televisão de Moçambique. Publicou os livros de poesia A Pátria Dividida (1993) e A Cidade Lúbrica (1998). Organizou diversas antologias e colectâneas literárias sobre Moçambique.

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sábado, setembro 22, 2007

Regresso



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Trouxe na pele a cor do sol, e no olhar o fogo dos poentes. Trouxe do mar a transparência azul e da noite a poeira das estrelas. Trouxe velas brancas a vogar na brisa morna da tarde, por sobre um espelho líquido de paz.
Dos dias de luz e sombra trouxe a coragem, encontrada no branco de mil sorrisos.
Apenas deixei ficar, na ternura de um abraço, a vontade de voltar.
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