quarta-feira, novembro 28, 2007

Quando amanhece penso...

Foto de Gaylen Morgan


Quando amanhece penso:
Encontro-te no vento
virás abraçar-me como os ramos da árvore
e chegaremos ao coração da cidade

Ao meio-dia sei:
A distância do meu corpo ao teu grito
corresponde à do teu sopro ao meu ouvido
eis a anatomia do silêncio

De tarde fico exausta:
Circulo pelas ruas e roço-me nas praças

À noite adormecemos:
Será que te lembras? será que me lembro?

Amanhã alegro-me de novo:
Imagino a floresta, parto o espelho
e recomeço a ir ao teu encontro.



Teresa Balté

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sábado, novembro 24, 2007

Matisse

"A música e as cores nada mais têm em comum do que prosseguir o mesmo caminho. Sete notas com pequenas alterações são suficientes para produzir as criações mais gloriosas. Nas artes plásticas deveria ser de outro modo?"

Henri Matisse

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quinta-feira, novembro 22, 2007

Quando desaparecer

"Os meus livros , leiam-nos e depois digam-me alguma coisa"

Foram estas palavras que me levaram ao encontro de um poeta que nunca tinha lido.




Quando desaparecer
hei-de pedir à noite que me consuma com ela
que me devaste a alma
não quero mais
quero desaparecer na noite
e só de noite consumir-me.


António Gancho
(in O Ar da Manhã)

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sexta-feira, novembro 16, 2007

Venho de dentro, abriu-se a porta...




Venho de dentro, abriu-se a porta:
nem todas as horas do dia e da noite
me darão para olhar de nascente
a poente e pelo meio as ilhas.

Há um jogo de relâmpagos sobre o mundo
de só imaginá-la a luz fulmina-me,
na outra face ainda é sombra.

Banhos de sol
nas primeiras areias da manhã
Mansidões na pele e do labirinto só
a convulsa circunvolução do corpo.




Luiza Neto Jorge
(in A Lume)


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segunda-feira, novembro 12, 2007

Do Raio de Sol




Raio de Sol na ombreira da porta,

na trave da cadeira, vindo da gelosia,

peço-te para amanhã voltares

mais arqueado pela esfericidade da terra,

um raio não decididamente recto

cravado no meu tórax côncavo,

mas no meu coração curvo como um globo.



Fiama Hasse Pais Brandão

(in As Fábulas)

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quinta-feira, novembro 08, 2007

Teclado




(ouvindo Dinu Lipatti)


Que música começa
nos teus dedos e sobe
pelas veias do verso
quando o sangue se move

só por dentro dos ossos
entre o som e o medo?
Donde emerge o remorso
de ferir o silêncio

e deixar que o desejo
a pairar se dissolva
num arpejo de dor

quando o verso já sobe
nas veias dos teus dedos
e a música começa?



José Augusto Seabra


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segunda-feira, novembro 05, 2007

um vento leve, uma espuma

Foto de Sophie Thouvenin


Do beijo fica um sabor,
do sabor uma lembrança,
um vento leve, uma espuma.

Do beijo fica um sereno
olhar, o amor de coisas
minúsculas e humildes,
um pássaro que vai e vem
da nossa boca às palavras.
Do beijo fica, suprema,
a descoberta da morte.
Um vento leve, uma espuma
salgada , à flor dos lábios.



Fernando Assis Pacheco
(in A Musa Irregular)


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