sexta-feira, setembro 26, 2008

Escrevo-te onde a luz é feita de papoilas




Escrevo-te onde a luz é feita de papoilas.

Clareiras onde pássaros
piam ecos coagulados.

Memórias transpiradas,
em vozes que desaguam no teu silêncio,
e o teu corpo forma-se no ar,
tecido de nuvens.

Sinto-te nas frágeis linhas
da tua ausência.

Sou margem do rio onde a tua poeira
se mistura com a fúria da sílabas.

Descubro o teu rosto e escrevo-te
na folhagem das nuvens
onde os corpos são
formas de vento.



Maria Sousa

( Maria Sousa escreve como Lebre do Arrozal no blogue There's only 1 alice )

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segunda-feira, setembro 22, 2008

Marca

Foto de Anke Merzbach



Nómada subindo os rios procurava
Entre o minério a sombra dos teus passos
E tu nem a minha busca pressentias
Nem a língua que eu falava te era querida.

Cheguei tarde a todos os lugares.
Lavrada em cadeias brilhava a tua marca.


Luís

(A Natureza do Mal)


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quinta-feira, setembro 18, 2008

August Moon


Foto de Jure Kravanja aqui



Enquanto o verão não chega,
aconchega-te na fogueira do meu colo.
Vamos dançar luas de Agosto
pelas divisões da casa, pega na solidão
e atira-a janela fora contra o ar pesado
das ruas desertas, nubladas, chuvosas
deste nosso misterioso e insuportável
calendário. Aumenta o volume
e dança, põe a sombra dos objectos a dançar,
mete-te dentro da sombra dos objectos
e dança, dança sobre a luz artificial
que dá graça a todos os insectos
pouco mais do que dançantes.
Eu tenho luas de Agosto dentro de mim
no inverno jacente, não te quero
de sorrisos mortos e mãos vazias.
Mesmo gelado, de ossos quebrados,
exausto, eu quero-te a dançar com os braços
envoltos na fogueira do meu colo.




Juraan Vink


( Chamava-se Juran Vink e escrevia no extinto blogue Universos Desfeitos. Agora é Henrique Fialho e pode ler-se no Insónia )



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domingo, setembro 14, 2008

Porto Santo


Foto de Helena Afonso



Foram dias serenos de sol e de mar, dias de longas caminhadas na areia dourada.
Sózinha, juntei os estilhaços do passado, para com eles construir a esperança do futuro possível.
Afastei nuvens e recolhi estrelas.
Volto à minha encosta, que será sempre do mar. Ele que encerra o mistério do eterno renascer.


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quinta-feira, setembro 04, 2008

Apetecimento

Foto de Angela Bacon-Kidwell aqui



Apetece-me fugir para dentro dos teus olhos. Apetece-me fugir para o longe que os teus olhos vislumbram. Como se fosse um sonho, uma viagem de infãncia, iremos os dois.
O tempo que não temos, a terra do nunca.
Nunca dizer que não a um desejo.
A uma vontade.
A um amor.
Nunca dizer não.

Amar-te assim, acima de todas as coisas.
Apetece-me.



Joaquim Paulo Nogueira

(Respirar o mesmo ar)



(Vou estar ausente durante alguns dias. Até breve.)

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segunda-feira, setembro 01, 2008

O verão

Foto de Ursula I Abresch aqui


Estás no verão,
num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas
dos meus anos.
Quando me deixas , o Sol encerra as suas pérolas,
os rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho,
as palmeiras estão em ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes , uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é Setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.



José Agostinho Baptista
(in Paixão e Cinzas)

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