terça-feira, novembro 25, 2008

Tesouro

Below the surface
Foto de Carola Lundmark aqui


Há um tesouro escondido no fundo do mar. Uma pedra raríssima que Ana sabe onde se encontra. Uma pérola preciosa, uma jóia moldada pela vida. Colhemos o presente e voltamos à superfície. A praia nos espera com seu sol menos doloroso. Estamos limpos e carregando uma pedra preciosa na mão.


(in O Mergulho de Narciso : Os segredos da poesia em Susana Vernieri)


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Todos os comentários aos posts que deixo na Encosta do Mar, os recebo com agrado. Eles são o reflexo das emoções provocadas pelas palavras que escolho.
O texto anterior foi-me deixado num comentário ao meu post anterior. Não imagino quem seja o Anónimo que o deixou, nem a razão por que não se quiz identificar. No entanto, não posso deixar de lhe agradecer. Não conhecia a autora do texto e a curiosidade fez-me ir pesquisar. Não sendo poeta, gostava de o ser. Gosto de palavras, de as ver surgir e sentir que traduzem estados de espírito que eu gostava de ter sabido transformar em poemas. Uso as palavras dos outros para exprimir sentimentos que são meus. Por vezes as palavras que escolho fazem surgir outras palavras. Foi o que aconteceu mais uma vez. Obrigada, Anónimo :-)

Estarei ausente durante alguns dias. Vou ao encontro de um tesouro, de uma jóia moldada pela vida. Voltarei, em breve, para continuar a partilhar com todos os que me visitam esta pedra preciosa que é a Poesia.

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domingo, novembro 23, 2008

Fundo do mar

Foto de Numero Tokio


Quero ver
o fundo do mar
esse lugar
de onde se desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos corais
e onde a morte beija
o lívido rosto dos afogados.

Quero ver
esse lugar
onde se não vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse mundo
descubra a que mundo pertenço.



Mia Couto


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quarta-feira, novembro 19, 2008

Mar

Foto de Tracy Martin aqui



Na melancolia de teus olhos
Eu sinto a noite se inclinar
E ouço as cantigas antigas
Do mar

Nos frios espaços de teus braços
Eu me perco em carícias de água
E durmo escutando em vão
O silêncio

E anseio em teu misterioso seio
Na atonia das ondas redondas
Náufrago entregue ao fluxo forte
Da morte




Vinicius de Moraes


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quarta-feira, novembro 12, 2008

A maior riqueza do homem

Foto de Jerry Berry aqui

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva, etc. etc.

Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.



Manoel de Barros

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sábado, novembro 08, 2008

Motivo

Foto de Cile Bailey aqui


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno, a asa ritmada.
e um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.




Cecília Meireles

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terça-feira, novembro 04, 2008

Ilha Terceira

Foto de José Figueira aqui


Depois de um fim de semana mergulhada em verde e na tépida suavidade dos dias, regresso, trazendo uma das riquezas da ilha, as palavras do poeta que lá nasceu.


A árvore do silêncio

Se a nossa voz crescesse , onde era a árvore?
Em que pontas, a corola do silêncio?
Coração já cansado, és a raiz:
Uma ave te passe a outro país.

Coisas de terra são palavra.
Semeia o que calou.
Não faz sentido quem lavra
Se o não colhe do que amou.

Assim, sílaba e folha, porque não
Num só ramo levá-las
Com a graça e o redondo de uma mão?
( Tu não te calas? Tu não te calas?)


Vitorino Nemésio
(in Canto de Véspera)

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