quarta-feira, julho 15, 2009

Praia do Tofo - Inhambane

Foto de Diversity Scuba


Durante algum tempo , vou estar por aqui. Na encosta de outro mar, mergulhando no azul de outro oceano, em busca da serenidade dos dias. Praia deserta a perder de vista, o calor das ondas e da ternura de quem me recebe, as noites perfumadas de estrelas. Um paraíso que só alguns conhecem, destino de quem gosta de descobrir o fundo do mar e as maravilhas que ele encerra.
Voltarei em breve. Para todos os que visitam a encosta, que os dias sejam de luz.



Lembrar



Um dia eu, que passei metade da vida voando como passageiro,
tomarei lugar na carlinga de um monomotor ligeiro,
e subirei alto, bem alto, até desaparecer para além da última nuvem.
Os jornais dirão: cansado da terra, o poeta fugiu para o céu.
E não voltarei de facto.
Serei lembrado instantes por família, meus amigos,
alguma mulher que amei verdadeiramente
e meus trinta leitores.
Então meu nome começará aparecendo nas selectas
e, para tédio de mestres e meninos,
far-se-ão edições escolares de meus livros.
Nessa altura estarei esquecido.



Rui Knopfli
Poeta nascido em Inhambane, em 1932.

( poema retirado de Os livros que ninguém quis dar a ler )
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sábado, julho 11, 2009

Acreditei

Foto de Simona Andrei aqui


Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos



Ana Cristina César
(in Inéditos e Dispersos)

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terça-feira, julho 07, 2009

Vem aos meus sonhos

Foto de Elisabeth Gustafson aqui


Vem aos meus sonhos
faz em mim a tua casa

Planta, em frente, a cerejeira dos
pássaros brancos,
deixa que eles pousem nos ramos e cantem
eternamente,
deixa que nas suas asas de luz eu leia o meu
nome,
antes de os relâmpagos acenderem os prados.

Vem aos meus sonhos,
vê os labirintos por onde me perco,
vê os meus países de mar,
vê, em cada barco que parte do meu coração,
as viagens que não fiz,
os amores que não tive,
a lua cruel da minha solidão.

Vem aos meus sonhos,
traz um fio de água para as dálias do meu
quarto vazio,
não queiras que as suas pétalas sequem muito
depressa,
caindo pelos delicados muros de cristal,
apagando a cor que dava vida aos aposentos do
solitário.

Deixa que ele evoque a secreta doçura das
colmeias,
e vem,
vem aos meus sonhos,
ilumina o meu domingo de cinzas, o meu
domingo de ramos, o meu calvário.

Diz que estás aqui,
nesta página que escrevo para nunca te esquecer.



José Agostinho Baptista

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sábado, julho 04, 2009

Limites do amor

Foto de Ricardo aqui



Condenado estou a te amar
nos meus limites
até que exausta e mais querendo
um amor total, livre das cercas,
te despeça de mim, sofrida,
na direcção de outro amor
que pensas ser total e total será
nos seus limites da vida.

O amor não se mede
pela liberdade de se expor nas praças
e bares, em empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
e este o mistério:

- ilimitado o amor às vezes se limita,
proibido é que o amor às vezes se liberta.



Affonso Romano de Sant'Anna

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quarta-feira, julho 01, 2009

O gato

Chegou, há um mês, à encosta onde vivo. Instalou-se como se, desde sempre, a casa fosse sua. Companheiro dos dias sós, chama-se Félix, como é próprio de todos os gatos.


Um gato, em casa sozinho, sobe
à janela para que, da rua, o
vejam.

O sol bate nos vidros e
aquece o gato que, imóvel,
parece um objecto.

Fica assim para que o
invejem - indiferente
mesmo que o chamem.

Por não sei que privilégio,
os gatos conhecem
a eternidade.


Nuno Júdice
In Assinar a pele ( antologia de poesia contemporânea sobre gatos)


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