quinta-feira, maio 27, 2010

Os amigos

Friendship (Picasso)
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Esses estranhos que nós amamos
e nos amam
olhamos para eles e são sempre
adolescentes, assustados e sós
sem nenhum sentido prático
sem grande noção da ameaça ou da renúncia
que sobre a luz incide
descuidados e intensos no seu exagero
de temporalidade pura
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Um dia acordamos tristes da sua tristeza
pois o fortuito significado dos campos
explica por outras palavras
aquilo que tornava os olhos incomparáveis
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Mas a impressão maior é a da alegria
de uma maneira que nem se consegue
e por isso ténue, misteriosa:
talvez seja assim todo o amor
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José Tolentino Mendonça
(in De Igual para Igual)
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sábado, maio 22, 2010

Cinzas de Sísifo

Grey Tree ( Mondrian)
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Eu vi o sobressalto.
Nesse bosque de lâminas e luvas
tocaste cada coisa como
um grito.
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E amaste a minha boca
com quem corta
os pulsos ao silêncio.
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Se o vento te derrama
entre folhas e cinza
é sempre a mesma voz que não perdoa
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a mesma lei
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o mesmo labirinto.
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Armando Silva Carvalho
(in Sentimento dum acidental)
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segunda-feira, maio 17, 2010

A evocação do teu nome



Diz Otília Martel, que prefaciou a obra, citando palavras do autor :
" Vou desfraldar as velas. Estou de partida para uma viagem à volta de mim ."
Na verdade este conjunto de poemas é uma viagem à metafórica exploração dos nossos sentidos e mistérios. Uma janela aberta sobre a memória, um espelho que fixa para sempre, projectando momentos únicos de intimidade.



É URGENTE


É urgente abrir novos caminhos
Acender novas estrelas
Descobrir novos horizontes
Inventar outras cores
Penetrar outros espaços
Abrir fendas no tempo

É urgente quebrar o silêncio
E, passo a passo, habitar outras noites

É urgente criar novos versos
Pensar novas metáforas
Buscar novas forças
Inventar novas artes
E partir sem medo e sem demora
Para onde nasce o sonho
E, de novo, esculpir a vida.


Albino Santos


Que a urgência da escrita, que te fez criar novos versos, te conduza, sempre, pelo caminho por onde nasce o sonho. Parabéns, Albino , por mais este livro, para o qual desejo o maior sucesso .

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quinta-feira, maio 13, 2010

Num poema ...

Foto de Maria Marques aqui



Num poema não devemos buscar sentido, pois o poema é ele próprio seu próprio sentido. Assim o sentido de uma rosa é essa própria rosa. Um poema é um justo acordo de palavras, um equilíbrio de sílabas, um peso denso, o esplendor da linguagem, um tecido compacto e sem falha que apenas fala de si próprio e, como um círculo, define o seu próprio espaço e nele nenhuma coisa mais pode habitar. O poema não significa, o poema cria.


Sophia de Mello Breyner Andresen
(in Os três reis do Oriente, Contos Exemplares)


Para todos os meus amigos poetas que criam, sem procurar o sentido. Em especial, para a Isabel . Ela sabe porquê :-)
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domingo, maio 09, 2010

Oração de Clara ao seu jardim

Foto de Jacob Jovelou aqui



Oração de Clara ao seu jardim:
" Meu espírito clama pelos poderes cicatrizantes
Do amor. Neles penso, enquanto escurece ou
Chove torrencialmente na ravina obscura que
Atravesso. Vi levantar-se a ilusão da alegria
Perene como dádiva. Que dardo cravas em mim,
Que assim entenebreço, que nervuras tão densas
Me crias, se em ti me perco?"



Maria Gabriela Llansol
(in O Começo de um Livro é Precioso )


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terça-feira, maio 04, 2010

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir





Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.


(...)




Álvaro de Campos

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