domingo, fevereiro 20, 2005

Quase


Foto de André Maia aqui


Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além,
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor - quase vivido...

Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão,
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase , dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...

Momentos de alma que desbaratei...
Templos onde nunca puz um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...

Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi

Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além,
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...



Mário de Sá- Carneiro

7 Comments:

Blogger hfm said...

Ah este quase! que é um sempre!

11:29 da manhã  
Blogger Heloisa said...

"Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além,
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém..."

.....................Dizer o que???
Outra excelente escolha, minha querida AMIGA!... Reveladora de BOM GOSTO E MUITA SENSIBILIDADE!

Meu Beijo!
Sua Amiga.
Heloisa.
***************

7:35 da tarde  
Blogger Cris said...

Excelente escolha, Ana.
Um poema forte, pleno da consciência do inalcansável...
Um beijo grande para ti

Cris

1:10 da manhã  
Blogger mdm said...

Que foto e que poema!

10:10 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Está tudo dito! É Mário de Sá-Carneiro.

Beijo ;-)

4:03 da tarde  
Blogger lique said...

O quase da nossa insatisfação. O golpe de asa que falta. É tão belo, este poema de Mário de Sá Carneiro! Beijinhos

4:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Um poema que é como se olhássemos o lado de dentro das coisas... a ressonância do sol,o avesso do céu...

Lindíssimo!

vento

10:32 da tarde  

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