quinta-feira, agosto 30, 2012

De cá para lá

Ruy Cinatti  ( retrato de Maluda )

3

A praia foi lugar de muita espera.
A maré molhou-te
De improvisos. Chegou a noite
E abriu-te as portas
Ao sol poente. A noite
Para os poetas.

5

Sei que não existes
Só porque o desejo.
O teu rosto
Corroído
Pelo fogo. Se nos encontram,
Rejuvenesces
E eu clamo : amo-te !

9

Paisagem
Cercada de mar profundo.
Montanhas, uma baía
Que a muitos se parece
Na idade, que não esquece
A poeira que há nas almas,
Nem as areias que as invadem.

17

Passaram dias sem que a vida ousasse
Sujar-me de atritos
E a vida foi um gesto de água
Intenso de tráfego
Na ilha. Finalmente, os dias ...



Ruy Cinatti
( in 56 Poemas )

quarta-feira, agosto 22, 2012

Mar português





Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar !

Valeu a pena ? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


Fernando Pessoa
(in Mensagem)

domingo, agosto 12, 2012

Luís de Camões



Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava amor somente.

Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.

Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa (a) que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.

De amor não vi senão breves enganos.
Oh, quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro génio de vinganças!

Luís de Camões