quarta-feira, maio 30, 2007

Gaivotas - I

Foto de Major Morais e Castro aqui


Voltei ontem à casa branca. Há tanto tempo que lá vou que já se me tornou familiar. Entro com à vontade, como se fosse em minha casa. Já me conhecem e não estranham que tenha voltado. Não gosto de lá ir, mas sei que não há alternativa.

Subo lentamente as escadas. O cheiro envolvente é o mesmo de sempre. Há pessoas sentadas em bancos encostados às paredes. Têm no rosto a expressão do desalento.

Entro na sala com as camas alinhadas. Esboço um leve sorriso e um cumprimento, mas a resposta são uns vagos monossílabos. Cada um está imerso nos seus pensamentos. Não faço ideia se me vêem e fingem não ver, ou se, nem sequer, me vêem. Eu própria, ao fim de algumas vezes, deixei de ter vontade de falar com quem me rodeia.

O que mais me choca é esta incapacidade de falar do sofrimento. Como se fosse vergonha mostrar a dor. Como se a chaga maior fosse a tristeza não partilhada.

Por vezes, julgo reconhecer quem está nas camas ao lado da minha. Cada vez mais magros, cada vez mais pálidos. Um dia deixarão de vir. Suponho que sei qual a razão. Sei que eu, mais cedo ou mais tarde, também deixarei de vir. Por agora, não quero pensar nisso. Sei que o mundo continuará e que os pássaros não deixarão de cantar.

Leio o livro que levo, sonho que tenho asas e que voo pela janela. Lá fora, o céu é azul e as árvores estão floridas.

Quando saio, passadas umas horas, regresso ao bulício da cidade e a casa branca vai-se esfumando, até não ser mais que uma memória que afasto, como se fosse um cabelo caído para os olhos. Volto a ver os carros e as pessoas apressadas. Não percebo bem porque precisam correr. A eterna falta de tempo...

Agora, que estou cá fora e, até ter de voltar, vou continuar a ver a beleza dos dias. Quero voltar a ver o mar, a maravilhar-me com o voo livre das gaivotas, a sorrir para quem se cruza comigo, a acreditar que o sonho é, ainda, possível.


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11 Comments:

Blogger Isamar said...

Desta vez não nos trouxeste um poema. Um post muito bonito e bem escrito. Creio que identifiquei a casa branca por onde passas com regularidade ( o narrador) e da qual não tens ( tem) possibilidade de afastar-se.Tornou-se uma dependência e, como todas, traz desgaste.
Quanto à imagem é das que mais gosto. Mar, gaivotas, espuma...
Deixo beijinhos na encosta.

11:33 da tarde  
Blogger Isamar said...

Este comentário foi removido pelo autor.

7:33 da manhã  
Blogger Isamar said...

Ana:

Apaguei, por lapso, o comentário anterior. Vinha deixar-te um beijinhoao amanhecer deste bonito dia e dizer-te que me sinto feliz com a amizade que aqui partilhamos. Façamos dela, da solidariedade, do amor, da esperança...as nossas bandeiras.
Beijinhos

7:59 da manhã  
Blogger Isabel José António said...

Bom dia Cara Amiga Ana,

Vim aqui "aterrar" através do blogue "Bom dia Isabel".

E vejo este post muito bem feito.
Para mim este texto parece-me o simbolismo dum grande cansaço. Alguém que queria voar mas, por vezes, não consegue.

E se me permite, deixo-lhe um pequeno verso, feito agora mesmo:

Dás-me a tua mão
Atravessamos a rua!
Repara! Dá atenção
Toda a gente vai nua

Têm a mente vazia
Embotada pela poluição
Mais mental. Não há alegria
Que trarão no coração?

Andam sem eira nem beira
Autómatos prestes a parar
E se alguém se lhes abeira
Já não sabem nem querem falar

Mundo sem sentido! Vagamente
Correndo louco sem destino
Sorrindo, chorando! Lentamente
Há muito que perdeu o tino

Mas (há sempre um mas)de repente
O Sol vem brilhar, a Luz aparece
Já tudo faz sentido e se sente
A vida tem outras cores! Apetece

Procura outros companheiros
Vai levar a boa nova! É AGORA
O SER vem antes do TER dinheiros
A Vida é para viver! Soou a hora


Muitos parabéns.

Se nos quiser visitar, não deixe de dar uma vista de olhos nos nossos três principais blogues (ver my complete profile): POESIA VIVA / OBSERVATÓRIO / O CAMINHO DO CORAÇÃO.

Um grande abraço

José António

8:05 da manhã  
Blogger deep said...

...regressar como parte de um destino repetido...onde o branco salpicado de presença é temporal...

saudade de quem vem sobre o olhar de quem vai

11:23 da manhã  
Blogger A.S. said...

Querida Ana, sei o que sentiste! Tantas vezes - demasiadas vezes - sentimos uma revolta surda que nos dói no peito!
Mas eu sei que acreditas no sonho e, sobretudo acreditas em ti própria! Acredita que partilho contigo as tuas emoções...


Um terno beijo!

5:32 da tarde  
Blogger sonhadora said...

Esta sonhadora disponibiliza-se para te acompanhar. Sempre.De sonhos feita, de emoções impregnada, de ilusões sustentada, estará aqui para dar cor à tua vida.A tua encosta do mar, de maresia perfumada, de amor alimentada pode contar com o Sonho.
Beijinhos embrulhados em abraços

5:44 da tarde  
Blogger Fernando Palma said...

Com uma imagem assim sempre é possivel acreditar nos sonhos...

O mar sempre foi a parte da natureza com que mais me identifiquei.

Até mais!

10:21 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Para ti, Ana, com um beijo!

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Se tens fé, não te aflija a noite escura.
Ao coração que a lágrima domina,
Ele estende, amoroso, a mão divina
E abre as portas da paz, risonha e pura.

Alivia a aspereza da amargura
E sobre as trevas de miséria e ruína
Acende a estrela matutina,
Na esperança sublime que perdura.

Se a crença viva te dirige os passos,
Sob a carícia de celestes braços
Receberás o pão, a luz e o abrigo...

Ama a cruz que te ampara e regenera
E, envolvendo-te em santa primavera,
O Mestre Amado seguirá contigo.

Auta de Souza

3:25 da manhã  
Blogger Platero said...

Olá Ana

vim retribuir a passagem pelo Click e li o teu post, pois a única coisa que te posso dizer é para teres força, pois acho que é essncial para a melhoria do estado geral de saúde.

Um abraço e até à próxima

9:40 da manhã  
Blogger A.S. said...

Um beijo...

6:04 da tarde  

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