segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Mar

Foto de Pedro Ferreira aqui



I

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.


II


Cheiro a terra, as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.



Sophia de Mello Breyner Andresen



Em memória da Céu, cuja vida foi um grito puro, e que partilhava comigo o seu fascínio pelo mar.
Para ela, que voa em direcção às estrelas, o meu eterno abraço.

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quinta-feira, fevereiro 22, 2007

I put a spell on you


Foto de AnaG aqui



Tu não sabias de que lugar eu vinha
nem quem me enviava. As máquinas pareciam transbordar
sobre os campos, disseminando a noite
em plena marcha. E eu estava tão cansado quando me sentei
ao teu lado. Generosamente pousaste a tua mão.
Os dias por vir jaziam amordaçados
debaixo da terra, nada fazia prever as cartas
que te escreveria. Algumas levavam fotografias, eu a olhar
para ti no ar desfocado. Mas as notícias que te dava
em mau inglês eram omissas, nunca respondi às perguntas
que me fizeste. Acho que o desalento já estava deitado
na cama, a própria parede parecia
muito doente.



Rui Pires Cabral

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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Apetece por vezes ...

Foto de Nuno Torres aqui



apetece por vezes com os dias morrer por um pequeno
instante e deixar os fogos soltos na areia . acrescentar
água à face e perturbar os sentidos em busca da única
luz ou então sentir os movimentos e escrever a uma

amiga. dizer assim como quem fala: que espécie rara
de deus é o teu? a vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia por quem sonhar.

vir então aos poucos contando os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar e assim mesmo
confundir todos os relógios da rota apenas para ter

mais tempo para ficar. o resto é saber o alfabeto de
cor até ao fim para que as palavras vão nascendo
devagar até ser sonho no sono dos dias ou ser sono
dentro de mim



João Luís Barreto Guimarães

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quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Encosta do mar

Foto de João Pedro aqui



Faz agora dois anos. Era uma manhã luminosa de Inverno. Quando abri a porta, o sol, que inundava a sala vazia, veio ter comigo. Pela janela aberta entrava o azul do mar.
Deixei na rua os sacos pesados de dúvidas e incertezas. Entrei sozinha. Percebi que aquele era o local que sempre tinha procurado. Fiquei.
Ao longo do tempo houve dias de todas as cores. Os magníficos dias azuis em que o céu e o mar foram irmãos. Dias verdes em que a esperança floriu. Alguns dias cinzentos com lágrimas a escorrer na vidraça. Os dias dourados dos sorrisos das princesas.
Só aqui sou eu mesma. Só aqui encontrei o silêncio das noites povoadas de sonhos. Aqui acordo com o canto do melro e o sabor da maresia. O rumor das ondas é companhia de todas as horas.
Espero encontrar aqui, quando o tempo se cumprir, os dias brancos da paz e a aceitação plena das coisas.

Para todos os que passam na encosta, deixo a porta aberta e o desejo de que voltem.





IMORTALIDADE



Quando eu tiver partido
fechado os olhos
fugido
não me procurem
reparem
estarei na gota de chuva
virei no sopro do vento
em cada raio de lua
trazida na onda do mar
perdida no firmamento
na mais pequena flor.
Reparem
sou eu…
ainda
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terça-feira, fevereiro 06, 2007

Sobre a mesa deixei algumas palavras

Foto de Marianne Le Carrour



sobre a mesa deixei algumas palavras
para gastarem a sua precisão obscura
ressumando humidades, revelando
o percurso do pensamento pela estação
até se identificarem com os cursos de água
que vemos por alguns dias
as principais páginas que nos forçam
a herança, disseminadas pelo ruído
até aos ossos
e quando abro a porta, de regresso, encontro-as
tão breves sobre o meu ouvido, atentas
à minha maneira de andar descalço.



Vasco Ferreira Campos

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