sexta-feira, novembro 26, 2010

Oiro

Foto de Carola Lundmark




O dia acende
o teu olhar
e não te deixa
adormecer
sem que essa luz
seja cravada
pelo punhal do sol
na eternidade,
halo breve
e doirado
como o poema.




Carlos de Oliveira
(in Trabalho poético)

sábado, novembro 20, 2010

Poema

Foto de Ben Goossens




Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como os amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca



Mário Cesariny
(in Pena Capital)

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domingo, novembro 14, 2010

Amar a vida inteira

Foto de Jacob Jovelou



Amo-te. Basta-me um pássaro,
uma árvore
para me transportar ao jardim
de ti - um livro, uma palavra, o peso
do silêncio
para me levarem ao poço de ti,
aos teus olhos que ofuscam
o cristal da manhã; à tua boca
aproximando-se da minha pele
como se regressasse a casa.
Cantar-te é desfazer o nevoeiro da minha vida,
desfiar uma chama, ardendo lenta,
que não se via. E basta-me um vinho
ou a tua língua
ou a memória dela
para que em mim disparem águas
trémulas - ainda são - e por isso
quando te amo
sou um pouco essa montanha que tece com o vento
uma combustão muito lenta muito paciente
como se todo o fulgor da vida
se concentrasse nos vales e nos rios do teu corpo
inesgotável. Amo-te. Basta-me
um sorriso para que se abram
veias adormecidas - um gemido,
e entro em fontes como se delas
nunca tivesse saído. Águas distantes
que me inundam.



Casimiro de Brito



Poema do seu próximo livro " Amar a vida inteira" .
Obrigada, Poeta, por partilhar comigo.




domingo, novembro 07, 2010

Poema do começo

Foto de Hamzeh Karbasi



Eu num camelo a atravessar o deserto
com um ombro franjado de túmulos numa mão muito aberta
Eu num barco a remos a atravessar a janela
da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de escamas
Eu na praia e um vento de agulhas
com um Cavalo-Triângulo enterrado na areia
Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
- trago-te Brilhantes- Estrela-Sem-Destino coberta de musgo


António Maria Lisboa





Na travessia do deserto que tenho feito, não tenho tido disponibilidade emocional para vir agradecer os vossos comentários. Faço-o agora, com carinho e amizade.
Espero poder recomeçar em breve a vir até aqui com mais regularidade.
Obrigada a todos.

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