sábado, fevereiro 26, 2011

Adio o convite

Foto de Mandy Disher


Adio o convite, provoco
a demora, deixas que escolha
todas as coisas. É depois
o lamento, quase o entardecer
da idade. Despeço-me mas sei
que nunca aí estive.

......

Só agora sei
que te perdi. Há tanto
tempo disseste
venho já . E ainda
aqui te espero
entre as velhas flores
e o pó da madeira
caindo.



Helder Moura Pereira
(in 366 poemas que falam de amor)

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sábado, fevereiro 19, 2011

Bilhete postal

Foto de Margherita Vitagliano



Escrevo-te agasalhando o nosso amor,
que o tempo é este inverno sem disfarce.
Pelos meus olhos fartos de miséria
mereço bem a luz da tua face.

Mas no meu coração as pobres coisas
choram , a cada lágrima exigida,
a tristeza precisa para que eu saiba
quanto custa a alegria de uma vida!



Carlos de Oliveira
(in 366 poemas que falam de amor)

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sábado, fevereiro 12, 2011

Side of the road

Foto de gNo
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Ateei o fogo
quebrei as portas de bronze
desfiz sinais nas pedras lisas
enlouqueci os adivinhos
.
minha língua tornou-se tão
estranha
que não se pode entender
.
as multidões vitoriosas
levantam em teu nome grinaldas
tamboris e danças
despojos de várias
cores
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tomo o caminho por onde vieste
tropeçando como os que não
têm olhos
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José Tolentino de Mendonça
(in A Estrada Branca)
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No passado dia 8, a Encosta do Mar fez seis anos. Tantos dias, tantos poemas , tantos sonhos .
A todos quantos me têm acompanhado, o meu agradecimento sincero . Sem a vossa presença , sem o estímulo dos vossos comentários, há muito teria desistido . Espero continuar durante mais algum tempo neste caminho onde se ateia o fogo da Poesia . Obrigada a todos!
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sábado, fevereiro 05, 2011

A fonte

Foto de Ursula I Abresch


Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
.
Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
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Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
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Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
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Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
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Herberto Helder
(in Poesia Toda)
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