sábado, fevereiro 05, 2011

A fonte

Foto de Ursula I Abresch


Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo ---
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
.
Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.
.
Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.
.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.
.
.
Herberto Helder
(in Poesia Toda)
.

6 Comments:

Blogger musicaquatica said...

não fora o pecado
ou o esplendor
iluminado
da casca da mação
mordida
antes de ser vida

não seria
a poesia
em si mesma
a mais (des)nuda
e casta
imagem
de nós
e desta condição
que se nos impõe

que é a de sermos Eva
e Adão
e trevo crescente
de desejo
num tempo que nos mata
de tédio
pelo tudo
que julgamos saber
e ter
mas que é
de tão frágil
posse

o paraíso
se existir
será certamente
feito
de palavras


obrigada pela partilha,

isabel

3:06 da manhã  
Blogger Isamar said...

Mais um autor conceituado, mais um poema fascinante. As metáforas, os adjectivos, as comparações e outros recursos dão à poesia o requinte, o encanto que me prendem.

Bem-hajas!

Beijinhosssss

8:53 da manhã  
Blogger Álvaro Lins said...

Excelente escolha; grande Herberto !

12:24 da tarde  
Blogger Ana Echabe said...

Bom Dia

É meio estranho vir aqui pra lhe dizer que tem um selo a sua espera no Fluid, mas é só pq realmente penso que ele tenha qualidade e expressão para meu universo particular independente de como vc percebe o Fluidfic’art Ki
Sinta-se a vontade como a essência de uma brisa
Abraço afetuoso na intensidade desta Lua Crescente que surgi.
Ana Diniz.

12:42 da tarde  
Blogger A.S. said...

... há-de haver uma fonte onde nasce o rio de emoções que desaguas em mim!

Beijos...
AL

9:55 da tarde  
Blogger tecas said...

Poema fascinante o de Humberto Helder.Metáforas são perfeitas e enquadradas numa musicalidade artistica.
Bem haja, querida Ana, pela partilha.
Adorei.
Bom fim de semana.

10:18 da tarde  

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