domingo, maio 29, 2005

Incerteza


Foto de Miguel Almeida aqui


Dos dias felizes de outrora
teci uma manta azul de memórias,
viagens imaginárias que nunca fizémos,
tardes serenas junto ao mar,
o brilho nos olhos.
Guardei-a , dobrada, em gavetas de cristal,
como tesouro intocável.
Depois, abri a janela ao luar,
às límpidas manhãs,
aos poentes dourados.
O melro voltou a cantar
nos arbustos do jardim.
Da encosta avisto novos horizontes
de contornos ainda indefinidos.
E julgo que sobrevivi.

quarta-feira, maio 18, 2005

Transe


Nuvens matinais (Foto de Miguel Costa)


Num tempo neutro acordo
entre a noite e o dia
sob um céu ilegítimo condensa-se
a mudança
nuvens totais exprimem
a presente longínqua
madrugada
as aves sobrevivem na queda
ao
tempo branco
Acordo sob um céu um tecto
dum quarto
É uma imagem pobre uma velha
metáfora. No exterior porém
das paredes toalhas além
dos vidros turvos de nuvens
apagadas
agride-me a imagem invísivel
opaca
da madrugada externa
que
no dia se espalha
como uma norma espessa
uma neutra linguagem
O céu é como um poço como um mar
como um lago
comparações banais mas as mais
eficazes onde aves
como peixes
transitam lentamente errando
nas palavras
Procuro adormecer
o silêncio do
dia inutiliza a vida
Provavelmente nada
mudará ou talvez
tudo tenha mudado há muito
ou vá mudando
sob o lago do céu onde os
peixes descrevem
ilegítimos voos como velhas
metáforas.


Gastão Cruz

segunda-feira, maio 16, 2005

Desinferno II


Impression, soleil levant (Monet)


Caísse a montanha e do oiro o brilho
O meigo jardim abolisse a flor
A mãe desmoesse as carnes do filho
Por botão de vídeo se fizesse amor

O livro morresse, a obra parasse
Soasse a granizo o que era alegria
A porta do ar se calafetasse
Que eu de amor apenas ressuscitaria.


Luiza Neto Jorge

terça-feira, maio 10, 2005

Do Amor I e II


Foto de Ian Britton


I

A névoa disse à árvore:
tu, cedro, perdes a tua forma,
se eu te abraço. Disse
o cedro: o Sol ama-me mais,
toma o meu corpo inteiro
no seu corpo e dá-lhe ser, figura.

II

Ver o cortejo de cedros
e acreditar que é o cenário.
Depois, estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder apalpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.


Fiama Hasse Pais Brandão

domingo, maio 08, 2005

Cadeia de Literatura

.
Recebi do Duarte a incumbência de dar seguimento a esta Cadeia de Literatura. Sem acreditar que as minhas opiniões e gostos tenham qualquer importância, aqui vai a minha contribuição, com pedidos de desculpas pela demora na resposta.

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Se pudesse ser um livro, gostaria de ser aquele que abrisse, a quem o lesse, as portas que conduzem ao sonho e que transformasse a fantasia em realidade.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
Talvez a personagem que mais me impressionou tenha sido a personagem feminina de "Fazes-me falta" de Inês Pedrosa, por ser uma história de afectos que nem a morte consegue destruir.

Qual foi o último livro que compraste?
"Quatro caprichos" de António Franco Alexandre.

Qual o último livro que leste?
"Materna Doçura" de Possidónio Cachapa.

Que livros estás a ler?
"Obra completa de António Gedeão", não só a poesia, mas também narrativas e teatro.
"Memórias das minhas putas tristes" de Gabriel Garcìa Marquez.
"Mar absoluto/Retrato Natural" de Cecília Meireles.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
Não escolho livros, mas autores... e , sem dúvida, poesia.
José Régio
Jorge de Sena
Sophia de Mello Breyner Andresen
Eugénio de Andrade
David Mourão Ferreira
...

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Ao , porque me fascina a forma como escreve e a frontalidade e ironia com que defende os seus pontos de vista.
À Lique , de quem acompanho a escrita com a curiosidade de uma aluna atenta.
À Helena, pela sensibilidade dos seus textos e porque julgo que partilha comigo a paixão pelo mar.