segunda-feira, novembro 21, 2005

Os olhos do poeta



















O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros de miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.



Manuel da Fonseca

9 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Adorei ler este texto do Manuel da Fonseca, talvez por o compreender como Poeta que sou.
"...O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo..."
Boa selecção, beijinhos.

10:31 da tarde  
Blogger Su said...

"todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta."

sem palavras.....
jocas maradas

10:32 da tarde  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Ana
Um poema sublime do Manuel da Fonseca. Que seria da poesia sem os olhos que a lêem?
Um beijo
Daniel

11:07 da manhã  
Blogger Kalinka said...

ANA:

Começo por pedir desculpas da minha ausência por este teu lugar tão querido, cheio de linda poesia. Passo por aqui, por vezes a correr e não dá para deixar um comentário, a correr, não consigo fazer dessa forma. Por isso cá estou hoje com mais vagar.

Quem me dera ser poetisa!!!
Este poema tem partes que adorei:
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo, e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem...

E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.

BELO...simplesmente BELO.
Parabéns pela escolha.
Beijokas.

4:07 da tarde  
Blogger Cristina said...

Olá Ana,
Antes de mais, quero pedir desculpa pela minha ausência, mas tenho andado na lua ;)
Quanto ao teu post, os poetas veem coisas que eu por exemplo não consigo, aí eu não ser poeta
;)
beijinhuu

4:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

jà estava com saudades...

beijinho

1:04 da tarde  
Blogger isabel mendes ferreira said...

O poeta finge tudo para fingir que existe e existindo finge-se por fora para esconder o dentro....não? bjo. gostei de aqui vir. muito.

10:25 da tarde  
Blogger un dress said...

belo que dói

deixar instalar aqui os

espelhos

e a melancolia da

tarde





beijO

3:46 da tarde  
Blogger ~pi said...

a in finita poesia... :)

7:04 da tarde  

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