Os olhos do poeta
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo,
e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem.
Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que há entre as estrelas,
e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros de miséria,
com as silhuetas escuras dos meninos vadios esguedelhados ao vento.
Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias vencidos
e as rugas maceradas das mães que perderam os filhos na luta entre as pátrias
e o movimento ululante das cidades marítimas onde se falam todas as línguas da terra
e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com as mãos vazias e calejadas
e a luz do deserto incandescente e trémula, e os gestos dos pólos, brancos, brancos,
e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas que não noivaram
e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando com contos-de-fada à hora da infância
e os trapos negros das mulheres dos pescadores esvoaçando como bandeiras aflitas
e correndo pela costa de mãos jogadas pró mar amaldiçoando a tempestade:
- todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta.
Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um promontório,
sai uma estrela voando nas trevas
tocando de esperança o coração dos homens de todas as latitudes.
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta
que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.
Manuel da Fonseca
9 Comments:
Adorei ler este texto do Manuel da Fonseca, talvez por o compreender como Poeta que sou.
"...O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo..."
Boa selecção, beijinhos.
"todas as cores, todas as formas do mundo se agitam e gritam nos olhos do poeta."
sem palavras.....
jocas maradas
Querida Ana
Um poema sublime do Manuel da Fonseca. Que seria da poesia sem os olhos que a lêem?
Um beijo
Daniel
ANA:
Começo por pedir desculpas da minha ausência por este teu lugar tão querido, cheio de linda poesia. Passo por aqui, por vezes a correr e não dá para deixar um comentário, a correr, não consigo fazer dessa forma. Por isso cá estou hoje com mais vagar.
Quem me dera ser poetisa!!!
Este poema tem partes que adorei:
O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo, e as formas e as proporções exactas, mesmo das coisas que os sábios desconhecem...
E os dias claros, inundados de vida, perdem o brilho nos olhos do poeta que escreve poemas de revolta com tinta de sol na noite de angústia que pesa no mundo.
BELO...simplesmente BELO.
Parabéns pela escolha.
Beijokas.
Olá Ana,
Antes de mais, quero pedir desculpa pela minha ausência, mas tenho andado na lua ;)
Quanto ao teu post, os poetas veem coisas que eu por exemplo não consigo, aí eu não ser poeta
;)
beijinhuu
jà estava com saudades...
beijinho
O poeta finge tudo para fingir que existe e existindo finge-se por fora para esconder o dentro....não? bjo. gostei de aqui vir. muito.
belo que dói
deixar instalar aqui os
espelhos
e a melancolia da
tarde
beijO
a in finita poesia... :)
Enviar um comentário
<< Home