sábado, julho 28, 2007

Vinham rosas na bruma florescida



Vinham rosas na bruma florescida
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.

Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.

Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre actual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.

E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
embruma a brisa em que se aviva a rosa.



Fernando Echevarría

( Prémio Sophia de Mello Breyner 2007)


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quarta-feira, julho 25, 2007

O antigo Mar Vermelho




Quando tu vens ao meu encontro
sorrindo

Rosa precipitada
antigo Mar Vermelho
meu coração
abre-se


Ana Hatherly

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sexta-feira, julho 20, 2007

Página 161



A Sonhadora passou-me o seguinte desafio:

Transcrever a 5ª frase da página 161 do livro que leio, ou daquele que estiver mais próximo.
Esta é a minha contribuição para esta cadeia, mas confesso que fiz batota :-) ... a página 161 é uma página em branco. Deixo ficar parte do que li na página 163 do livro "O medo", de Al Berto, edição da Assírio&Alvim.


teu corpo dilui-se nos ossos da página, contamina as cartilagens das sílabas
resta-me o fingimento sibilante das palavras
caminho pelo interior das dunas,
apago o rasto de tinta acetinada, sou terra num texto onde não encontro água
só noite e um rumor imperceptível do coração
mais nada



Deixo ao critério de quem passa na Encosta a continuação, ou não, deste desafio.

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quarta-feira, julho 18, 2007

Quando os teus olhos absorvem





Quando os teus olhos absorvem
todas as cores da minha
mais íntima tristeza,
e compreendes e calas e prometes
um lugar qualquer na tua alma,
e a tua voz demora a regressar
ao neutro compromisso das palavras,
sei que as tuas mãos ajudariam
a limpar estas lágrimas antigas
por dentro do meu rosto.




Victor Matos e Sá


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sábado, julho 14, 2007

Belle toujours



"... São filmes como este que nos fazem suspeitar que (Manoel de Oliveira) é um cineasta, de facto, "tocado"... "by the hand of god" ou outra coisa qualquer. Este é o seu filme imprescindível dos últimos anos."





Vasco Câmara, in Público



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quarta-feira, julho 11, 2007

Gaivotas - III

Foto de Pedro Ferreira aqui



Volto amanhã à consulta. Desta vez, para mostrar as últimas análises e averiguar da evolução prevista para os próximos tempos. Conforme espero, e depois dos últimos três tratamentos, feitos no espaço de um mês, os valores devem estar dentro de limites aceitáveis, embora longe do normal.
Esta doença, que não tem cura, evolui, mais ou menos, lentamente. Não se conhecendo as causas, estas não podem ser controladas. Apenas se podem controlar, e até certos limites, algumas das consequências. Para isso, se fazem, periodicamente, tratamentos que, sendo necessários, deixam um enorme cansaço, do qual me irei agora, lentamente, recompor. Mas como a evolução não pára, terei de voltar dentro de algumas semanas e tudo recomeçará.
É uma luta desigual, da qual sei quem será o vencedor. Isso não me faz desistir. Claro que há momentos em que me apetece baixar os braços e, simplesmente, deixar-me afundar. Mas aprendi que temos muito mais forças do que aquelas que suspeitávamos.

Aprendi também que, na vida, não se pode perder nem um instante. Todos eles são irrepetíveis. Sei que não é possível recuperar cada momento perdido, cada gota de felicidade desperdiçada. Por isso, agora, dou mais valor ao momento que passa, ao sorriso dos que se cruzam comigo, a cada pôr-do-sol que me é permitido apreciar. Deixei de guardar para amanhã as palavras bonitas que posso dizer hoje, e passei a ouvir o canto do melro, que sempre habitou o meu jardim sem eu dar por ele.
A única coisa que existe é o presente. O passado deixa-nos memórias, mas não pode ser alterado. O futuro ainda não é, talvez até nunca seja. O que temos de viver, e com intensidade, é o dia de hoje. É isso que tento fazer, sem remorsos, nem expectativas.
E foi isso que a adversidade me ensinou. Até as coisas que parecem negativas, têm o seu lado positivo.

Obrigada a todos que, aí, do outro lado do monitor, me escutam e me acompanham. Cada dia que passa é mais uma etapa da minha caminhada e, sem o saberem, tem sido com a vossa ajuda que prossigo.

O voo das gaivotas continua a ser livre, como os sonhos que continuo a sonhar.
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sexta-feira, julho 06, 2007

Amo o teu túmido candor de astro




Amo o teu túmido candor de astro
a tua pura integridade delicada
a tua permanente adolescência de segredo
a tua fragilidade acesa sempre altiva
Por ti eu sou a leve segurança de um peito
que pulsa e canta a sua chama
que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro
ou à chuva das tuas pétalas de prata
Se guardo algum tesouro não o prendo
porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto
que dure e flua nas tuas veias lentas
e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar
Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva
para que sintas a verde frescura
de um pomar de brancas cortesias
porque é por ti que vivo é por ti que nasço
porque amo o ouro vivo do teu rosto






Desenho e poema de António Ramos Rosa



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terça-feira, julho 03, 2007

Com o silêncio do punhal num peito

Foto de Carlos Sousa aqui



Com o silêncio do punhal num peito,
O silêncio do sangue a converter
Em fio breve o coração desfeito
Que nas pedras acaba de morrer,

Vive em mim o teu nome, tão perfeito
Que mais ninguém o pode conhecer!
É a morte que vivo e não aceito;
É a vida que espero não perder.

Viver a vida e não viver a morte;
Procurar noutros olhos a medida,
Vencer o tempo, dominar a sorte,

Atraiçoar a morte com a vida!
Depois morrer de coração aberto
E no sangue o teu nome já liberto...




Alexandre O'Neill



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