O que é, afinal, a vida?
Raramente escrevo sobre a minha vida pessoal. Julgo que dela nada poderá interessar a quem me lê, aqui na Encosta. Deixo, por vezes, algumas notas , ligeiros sinais dos sentimentos mais fortes que povoam os meus dias. Talvez a escolha dos poemas que faço seja também um indício do que me vai na alma.
No entanto, hoje apetece-me relatar um facto que me impressionou e me fez reflectir sobre a fragilidade da vida.
Ainda triste com a morte recente de uma amiga , decidi participar numa sessão de uma Comunidade de Leitores a decorrer em Lisboa. Discutia-se um livro de autor para mim desconhecido. Uma forma de escrita que me surpreendera. Estava curiosa de ouvir falar sobre a intenção de quem escrevera, sobre o que o motivava , sobre a elaboração do texto. Alguém fez a apresentação do autor ali presente, o editor explicou porque apreciava aquela escrita e o gosto em o ter editado . Surgiram perguntas dos assistentes, dúvidas, sugestões, elogios. As respostas vieram em voz calma, simples. O autor a desvendar o processo criativo, a dizer do prazer de juntar palavras, do sentido que lhes quisera imprimir.
De repente, uma pergunta sem resposta. Um silêncio, nada mais que um silêncio. E a resposta esperada que não vinha. Supôs-se ser mais uma forma de ironizar, talvez a continuação da crítica social que o livro é em si. Só o silêncio de quem devia falar e o espanto de quem queria ouvir. Calou-se a voz para sempre. Ali, perante nós, incrédulos,que tínhamos vindo por ele, pelas palavras que escrevera. Ali , esperando a sua voz, restou apenas o silêncio. As palavras escritas, essas, perdurarão na memória de quem as leu, serão lidas por outros. Mas a voz nunca mais será ouvida.
O que é, afinal, a vida?
Pequena homenagem a Alface, escritor , 58 anos, que ontem foi a sepultar no seu Alentejo natal.
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8 Comments:
A Vida ensinou-me que a Vida é viver um dia de cada vez...
Da melhor maneira possível, acrescento eu...
Um beijo
Gostei muito do teu post. Revela muito de ti, da sensibilidade desse fino tecido de que és feita e de que há muito me apercebi. Sobre a tua pergunta, João de Deus, poeta algarvio,de S. Bartolomeu de Messines, meu conterrâneo,responde assim:
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!
Deixo-te um beijo, terno e doce, e o desejo de que a alma do Alface, desse Alentejo que adoro, esteja no céu a velar por todos nós.
Continuo a subir esta encosta com muito gosto!E a olhar o mar...paixão...saudade...amor...amizade...aventura...
Isabel
A vida, afinal, também é isto!
A "morte", aquela que é a continuação da vida, não escolhe o local nem o dia... Escolhe apenas o momento!
E aquele foi o "momento" em que, após a edição do seu livro, ele decidiu "subir" a outro nível e continuar numa outra existência...
olá. e a lei da vida nascer crescer e morrer.
bjs naty
Cheguei ao cimo da encosta de onde se avista o mar cujo sal é,em boa parte, constituído por lágrimas de Portugal. Deixo uma, pelo Alface, pelo afecto que puseste na forma como descreveste o encontro. Aquela voz alentejana calou-se para sempre.
Deixo-te ainda um poema de Manuel Alegre, de que gosto muito, e fala deste mar que ambas amamos.
Coisa Amar!
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
Manuel Alegre
Deixo beijinhos na encosta.
Ana,
Escreves muito bem, e devias de te exprimir mais vezes...
A vida é mesmo isso, é nascer, viver e por fim morrer
Tem uma boa semana,
beijinhu
Oi Ana, teu texto é de uma sensibilidade ímpar. Aqui, sempre encontrei tua alma em cada poema escolhido por ti, em frase escrita. Agora, talvez o silêncio narrad seja uma expressão da vida, ou das vidas. Como agora, Ana, abandono o meu silêncio e volto à escrita. Beijo e obrigado por esse lugar incrível que é a Encosta.
Conheci o Alface há muitos anos. Quase na adolescência. Um dia disse-me: Tenho medo da dor, tenho medo da fealdade, tenho medo das noites húmidas, mas não tenho medo de ti. Ainda não me esqueci.
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