domingo, março 04, 2007

O que é, afinal, a vida?







Raramente escrevo sobre a minha vida pessoal. Julgo que dela nada poderá interessar a quem me lê, aqui na Encosta. Deixo, por vezes, algumas notas , ligeiros sinais dos sentimentos mais fortes que povoam os meus dias. Talvez a escolha dos poemas que faço seja também um indício do que me vai na alma.

No entanto, hoje apetece-me relatar um facto que me impressionou e me fez reflectir sobre a fragilidade da vida.

Ainda triste com a morte recente de uma amiga , decidi participar numa sessão de uma Comunidade de Leitores a decorrer em Lisboa. Discutia-se um livro de autor para mim desconhecido. Uma forma de escrita que me surpreendera. Estava curiosa de ouvir falar sobre a intenção de quem escrevera, sobre o que o motivava , sobre a elaboração do texto. Alguém fez a apresentação do autor ali presente, o editor explicou porque apreciava aquela escrita e o gosto em o ter editado . Surgiram perguntas dos assistentes, dúvidas, sugestões, elogios. As respostas vieram em voz calma, simples. O autor a desvendar o processo criativo, a dizer do prazer de juntar palavras, do sentido que lhes quisera imprimir.
De repente, uma pergunta sem resposta. Um silêncio, nada mais que um silêncio. E a resposta esperada que não vinha. Supôs-se ser mais uma forma de ironizar, talvez a continuação da crítica social que o livro é em si. Só o silêncio de quem devia falar e o espanto de quem queria ouvir. Calou-se a voz para sempre. Ali, perante nós, incrédulos,que tínhamos vindo por ele, pelas palavras que escrevera. Ali , esperando a sua voz, restou apenas o silêncio. As palavras escritas, essas, perdurarão na memória de quem as leu, serão lidas por outros. Mas a voz nunca mais será ouvida.

O que é, afinal, a vida?


Pequena homenagem a Alface, escritor , 58 anos, que ontem foi a sepultar no seu Alentejo natal.

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8 Comments:

Blogger Maria said...

A Vida ensinou-me que a Vida é viver um dia de cada vez...
Da melhor maneira possível, acrescento eu...

Um beijo

4:16 da manhã  
Blogger Isamar said...

Gostei muito do teu post. Revela muito de ti, da sensibilidade desse fino tecido de que és feita e de que há muito me apercebi. Sobre a tua pergunta, João de Deus, poeta algarvio,de S. Bartolomeu de Messines, meu conterrâneo,responde assim:

A vida é o dia de hoje,

A vida é ai que mal soa,

A vida é sombra que foge,

A vida é nuvem que voa;

A vida é sonho tão leve

Que se desfaz como a neve

E como o fumo se esvai;

A vida dura um momento,

Mais leve que o pensamento,

A vida leva-a o vento,

A vida é folha que cai!



A vida é flor na corrente,

A vida é sopro suave,

A vida é estrela cadente,

Voa mais leve que a ave;

Nuvem que o vento nos ares,

Onda que o vento nos mares,

Uma após outra lançou.

A vida - pena caída

Da asa de ave ferida -

De vale em vale impelida

A vida o vento a levou!

Deixo-te um beijo, terno e doce, e o desejo de que a alma do Alface, desse Alentejo que adoro, esteja no céu a velar por todos nós.
Continuo a subir esta encosta com muito gosto!E a olhar o mar...paixão...saudade...amor...amizade...aventura...

Isabel

10:15 da manhã  
Blogger Amaral said...

A vida, afinal, também é isto!
A "morte", aquela que é a continuação da vida, não escolhe o local nem o dia... Escolhe apenas o momento!
E aquele foi o "momento" em que, após a edição do seu livro, ele decidiu "subir" a outro nível e continuar numa outra existência...

12:58 da manhã  
Blogger Naty said...

olá. e a lei da vida nascer crescer e morrer.
bjs naty

2:28 da tarde  
Blogger Flor de Tília said...

Cheguei ao cimo da encosta de onde se avista o mar cujo sal é,em boa parte, constituído por lágrimas de Portugal. Deixo uma, pelo Alface, pelo afecto que puseste na forma como descreveste o encontro. Aquela voz alentejana calou-se para sempre.
Deixo-te ainda um poema de Manuel Alegre, de que gosto muito, e fala deste mar que ambas amamos.

Coisa Amar!


Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.

Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.

Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como doi

desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.

Manuel Alegre

Deixo beijinhos na encosta.

3:03 da tarde  
Blogger Cristina said...

Ana,
Escreves muito bem, e devias de te exprimir mais vezes...
A vida é mesmo isso, é nascer, viver e por fim morrer
Tem uma boa semana,
beijinhu

12:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Oi Ana, teu texto é de uma sensibilidade ímpar. Aqui, sempre encontrei tua alma em cada poema escolhido por ti, em frase escrita. Agora, talvez o silêncio narrad seja uma expressão da vida, ou das vidas. Como agora, Ana, abandono o meu silêncio e volto à escrita. Beijo e obrigado por esse lugar incrível que é a Encosta.

12:42 da tarde  
Blogger Graça Magalhães said...

Conheci o Alface há muitos anos. Quase na adolescência. Um dia disse-me: Tenho medo da dor, tenho medo da fealdade, tenho medo das noites húmidas, mas não tenho medo de ti. Ainda não me esqueci.

8:43 da tarde  

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