sábado, janeiro 30, 2010

A morte afinal não custa nada

Foto de Lili Karadjova aqui



A morte afinal não custa nada, diz-me
a minha voz insensata como se
já lá tivesse estado. E logo te transmito
o que a minha voz me disse, porque
uma coisa destas merece ser divulgada.

Agora a saudade de te ter tido
junto de mim algum tempo esbarra
com preocupações e raiva
sobre como o mundo está.
Uma lástima, acrescentas, e o pior
está para vir. Quanto a nós, não sei:

a vida dá muitas voltas, quem sabe
o que pode acontecer. Mas este futuro
assim misterioso é ainda mais triste
do que qualquer passado triste.
Quem me dera que dissesses
presente quando fosse preciso.

Sem amor a gente anda por aqui
a gemer de dor por dentro, é a verdade
pura e simples e o resto é conversa.
Já que o mundo está como está
ao menos que o lastimássemos a dois.




Helder Moura Pereira
(in Mútuo Consentimento)

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segunda-feira, janeiro 25, 2010

Gaivota

...

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
morreria no meu peito,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.


Alexandre O'Neill

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quinta-feira, janeiro 21, 2010

Escrevo-te a sentir tudo isto

Imagem de Alexis Gorodine aqui


escrevo-te a sentir tudo isto
e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos nos sais de prata da fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos sussurrados junto ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva dos lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco morde a sua imobilidade

habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos de romã
repara
como o coração de papel amareleceu no esquecimento de te amar


Al Berto
(in O Medo)
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sábado, janeiro 16, 2010

Cantiga para quem sonha

Foto de Alexandre Toresan aqui



Tu que tens dez reis de esperança e de amor
grita bem alto que queres viver.
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor.
Tudo o que é belo não é de vender.
Não vendem ondas do mar
nem brisa ou estrelas, sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar
nem certas janelas em dunas de areia.

Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.

Tu que crês num mundo maior e melhor
grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos em redor,
crê que esse mundo começa por ti.
Traz uma viola , um poema,
um passo de dança, um sonho maduro.
Canta glosando este tema,
Em cada criança há um homem puro.

Canta, canta como uma ave ou um rio.
Dá o teu braço aos que querem sonhar.
Quem trouxer mãos livres ou um assobio
nem é preciso que saiba cantar.




Letra - Leonel Neves
Música - João Gomes
Canta - Luiz Goes




Foi Carlos Machado Acabado, autor do blog O Quisto Didactico , que me chamou a atenção para este belíssimo poema. Obrigada, Amigo !
Que pena não podermos ouvir aqui a magnífica voz de Luiz Goes !

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segunda-feira, janeiro 11, 2010

"Bright Star"

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O novo e extraordinário filme de Jane Campion conta a história de amor do poeta John Keats.

" Retrato assombroso de um romance moderno antes do seu tempo, "Estrela Cintilante" é um poema em cinema. E o primeiro grande filme de 2010. "

Jorge Mourinha
in Ípsilon ( Público)

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quarta-feira, janeiro 06, 2010

Onda que, enrolada, tornas

Foto de Verónica Azevedo aqui



Onda que, enrolada, tornas,
Pequena, ao mar que te trouxe,
E ao recuar te transtornas
Como se o mar nada fosse,

Porque é que levas contigo
Só a tua cessação,
E, ao voltar ao mar antigo,
Não levas meu coração?

Há tanto tempo que o tenho
Que me pesa de o sentir.
Leva-o no som sem tamanho
Com que te oiço fugir!


Fernando Pessoa
(in Liberdade e outros Poemas Ortónimos
Ática. 2009)

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Poema que o Natal me trouxe.

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