segunda-feira, junho 20, 2011

Encontro

Almada Negreiros


Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio?
Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo:
chegou-me a vez de escutar.

Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber:
que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.

O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce á cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.

Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.

Para que me lastimas
se este é o meu auge?!
Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas torres de marfim.

Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.
Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.


José de Almada Negreiros
(in Poemas , Assírio e Alvim)

12 Comments:

Blogger hfm said...

Belo registo! poema e imagem como ele sabia!

10:06 da manhã  
Blogger Carla Tavares said...

É sempre um prazer visitar este seu cantinho! Beijinhos.

11:22 da manhã  
Blogger Daniel Aladiah said...

Querida Ana
Aqui está alguém que sempre apreciei, principalmente por causa do Dantas...
Um beijo
Daniel

5:56 da tarde  
Blogger tulipa said...

Pois...
É preciso um olhar especial para encontrar tão belas poesias.
Obrigada pela partilha.

Achas que dá gozo andar na roda gigante?
É uma ideia levar lá as tuas netas.
Aposto como elas iam gostar.

Vem espreitar
...a paisagem é interessante,
mas NÃO olhei para baixo...
por causa das vertigens,
mas fiz do receio - coragem/força,
para poder proporcionar um bom momento aos meus netos.

Obrigado pela tua Amizade
e pelos comentários.
Abraços.

5:32 da tarde  
Blogger musicaquatica said...

talvez trancar a porta da torre e dela não mais sair senão com o pensamento. pois que não há realidade maior que a do pensamento. quase tudo passa por ele.

ou talvez sair para o mundo. contemplar a cor dos desalentos. saber que há alguém que nos habita e que habitamos no abismo dos dias. saber que o amor não existe no sonho nem na torre de marfim mas no confronto com o desprazer.

resignação?!... caminho último da esperança e da razão que dá forma à poesia.

obrigada pela sempre bela partilha,

beijo,
isabel :)

12:03 da manhã  
Blogger Isamar said...

Lindooooo! Poema e imagem! É um prazer recordar Almada Negreiros. Inesquecível enquanto por cá andar.

Beijinhos

Bem-hajas!

11:53 da manhã  
Blogger Carlos Ramos said...

É fundamnetal o Almada. Tenho esse livro da Assirio e para quem gosta recvomendo também o fabuloso "Nome de Guerra".

Bj

4:07 da tarde  
Blogger Maré Viva said...

Tão belo o poema de alguém que ama o silêncio e a paz de que desfruta na sua torre de marfim, refúgio inviolável ainda que se deixe a porta aberta.

Beijos.

6:30 da tarde  
Blogger Graça said...

É tão 'enorme' Almada Negreiros!

Gosto sempre das tuas escolhas, porque sinto que poderiam ser as minhas.

Beijo de imenso carinho, minha querida amiga.

9:46 da tarde  
Blogger AnaMar (pseudónimo) said...

a grandiosidade das palavras (E) das imagens.

1:07 da tarde  
Blogger Um brasileiro said...

oi. tudo blz? estive por aqui dando uma olhadela. muito legal. gostei. apareça por la. abraços.

1:40 da tarde  
Blogger joaquim said...

gostei bastante.....e este inconformismo e revolta do ALMADA!!!

1:14 da tarde  

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