segunda-feira, outubro 31, 2005

Desejos


Foto de Miguel Costa aqui


Queria levar-te a lua
tão cheia de promessas,
o reflexo no mar,
o silêncio,
a suavidade da noite.
Queria trazer-te
e não mais te deixar partir.

sábado, outubro 29, 2005

Languidez





Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...



Florbela Espanca

quinta-feira, outubro 27, 2005

Porto


Foto de Carlos Romão aqui



Não nasci por acaso nestas pedras
mas para aprender dureza,
lume excedido,
coragem de mãos lúcidas.

Aqui no avesso da construção dos tempos
a palavra liberdade
é menos secreta.

Anda nos olhos da rua,
pega lanças aos gestos,
tira punhais das lágrimas,
conclui as manhãs.

E principalmente
não cheira a museu azedo
ou musgo embalado
pela chuva da boca dos mortos.

Começa nos cabelos das crianças
para me sentir mais nascido nestas pedras.

Porto
- cidade de luz granito

Tristeza de luz viril
com punhos de grito.


José Gomes Ferreira


Para o Daniel , o Frog , a TMara e todos os outros meus amigos do Porto.
Para ti, também.

terça-feira, outubro 25, 2005

Hino ao Tejo


Foto de Carlos Loff Fonseca aqui



Ó Tejo das asas largas
Pássaro lindo que se ouve em todas as ruas de Lisboa
Ó coroa duma cidade maravilhosa
Ó manto célebre nas cortes do mundo inteiro
Faixa antiga duma cidade mourisca
Fénix astro caravela líquida
Silêncio marulhante das coisas que vão acontecer
Deslizar sem desastres sem fado sem presságio
Tu ó majestoso ó Rei ó simplicidade das coisas belíssimas
Nas tardes em que o sol te queima passo junto de ti
E chamo-te numa voz sem palavras marejada de lágrimas
Meu irmão mais velho.



Alberto de Lacerda

domingo, outubro 23, 2005

Alentejo


Foto de autor desconhecido


Por breve tempo, mergulhei na planície. Afundei raízes na terra e abri ramos ao sol nascente.
Com a alma ávida de verde esperança, redescobri aromas e sabores.
No silêncio da noite, a lua inundou a minha cama, e, só para mim, desfilaram horas no sino da torre da velha igreja.
Enrolei-me numa manta de sonhos e adormeci a ouvir cantar a chuva.
Renovada, retomo agora a vizinhança do mar.

segunda-feira, outubro 17, 2005

Amigo


Friendship ( Picasso)



Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa mesmo modesta, que se oferece.
Um coração a pulsar
Na nossa mão!

Amigo,(recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill


Para todos os meus amigos da blogosfera, pelo estímulo dos comentários que sempre me deixam.

sábado, outubro 15, 2005

Árvores


Foto de autor desconhecido



O que tentam dizer as árvores
no seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,
o sentido que têm no lugar onde estão,
a reverência, a ressonância, a transparência
e os acentos claros e sombrios de uma frase aérea.
E as sombras e as folhas são a inocência de uma ideia
que entre a água e o espaço se tornou uma leve
integridade.
Sob o mágico sopro da luz são barcos transparentes.
Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus ramos.
Ouço a espuma finíssima das suas gargantas verdes.
Não estou, nunca estarei longe desta água pura
e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
Que pura serenidade da memória, que horizontes
em torno do poço silencioso! É um canto num sono
e o vento e a luz são o hálito de uma criança
que sobre um ramo de árvore abraça o mundo.



António Ramos Rosa

quinta-feira, outubro 13, 2005

Homenagem


Foto de autor desconhecido



Passaste como uma rajada,
intenso, tão forte e fugaz.
Para onde te levou o vento?

De ti persiste a memória,
imagem que não se desfaz.
Livre como o pensamento!

segunda-feira, outubro 10, 2005

Mar de Setembro


Foto de Miguel Costa aqui


Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
fremente de espumas.

Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.


Eugénio de Andrade

quinta-feira, outubro 06, 2005

Espera

.
Quando em neblina se escondem os dias
e do mar se perde o rumor
fecho os olhos
enrolo-me em mim
e espero.
.

terça-feira, outubro 04, 2005

E por vezes as noites duram meses


Foto de Miguel Costa aqui


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos.
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos.

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.



David Mourão Ferreira

domingo, outubro 02, 2005

O chapéuzinho


Foto de Ian Britton aqui


Porque hoje acordei com alma de criança e me lembrei da menina de olhos cor do céu...


A menina comprou um chapéu
E pô-lo devagarinho:
Nele nasceram papoilas,
Dois pássaros fizeram ninho.

Chapéu de palha de trigo
Que a foice um dia cortou:
Na cabeça da menina,
O trigo ressuscitou.

Depois tirou o chapéu,
Tirou-o devagarinho:
Não vão murchar as papoilas,
Não se vá espantar o ninho.

E, chapéuzinho na mão,
De cabeça levantada,
A menina olhou o sol,
Como a dizer-lhe: Obrigada!


Matilde Rosa Araújo