sábado, março 31, 2007

Explicação da eternidade

Foto daqui



devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgávamos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
e idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.



José Luís Peixoto

.

sábado, março 24, 2007

A pedra



San Giorgio Maggiore by twilight (Claude Monet)

.

há linhas de fogo

atravessando a tela,

serão somente brilho

ou luz que secciona

a noite e as formas -

mas a tinta arde,

mantendo nos olhos

a essência da pedra

que a névoa protege

do vento e da cegueira.

.

Ruy Ventura

.

Poema inspirado na pintura de Monet, retirado daqui

.

quarta-feira, março 21, 2007

Árvore

Almond blossom (Van Gogh)



Exasperava-se à míngua de frutos.
As abelhas, porém, enamoravam-se pelo perfume das suas flores.



Mário Rui de Oliveira



Será coincidência que a Poesia se festeje no mesmo dia em que começa a Primavera?

.

quinta-feira, março 15, 2007

Guarda a manhã

Foto de Davide Silva aqui




Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar

Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Em explosão



Daniel Faria
.

domingo, março 11, 2007

Quando...

Foto de Carlos Romão aqui





Quando a noite chega o maravilhoso não escurece.




Gonçalo M. Tavares

.

quarta-feira, março 07, 2007

Um bosque na noite


Birch forest (Gustav Klimt)
.
Árvores sem nome e sem recorte entrelaçam-se.
Eis uma imagem que atravessa os meus dias:
a pouca luz sem origem reconhecível
lutando para iluminar um bosque na noite,
e esse espaço para lá dos ramos que posso ver
esse escuro vórtice sem escala onde a luz se esvai.
.
É este o intenso medo,
não pelo mundo a desaparecer,
não pelas mágicas sugestões do vazio,
mas pela irresgatável origem da pouca luz que me cerca.
.
Luís Quintais
.

domingo, março 04, 2007

O que é, afinal, a vida?







Raramente escrevo sobre a minha vida pessoal. Julgo que dela nada poderá interessar a quem me lê, aqui na Encosta. Deixo, por vezes, algumas notas , ligeiros sinais dos sentimentos mais fortes que povoam os meus dias. Talvez a escolha dos poemas que faço seja também um indício do que me vai na alma.

No entanto, hoje apetece-me relatar um facto que me impressionou e me fez reflectir sobre a fragilidade da vida.

Ainda triste com a morte recente de uma amiga , decidi participar numa sessão de uma Comunidade de Leitores a decorrer em Lisboa. Discutia-se um livro de autor para mim desconhecido. Uma forma de escrita que me surpreendera. Estava curiosa de ouvir falar sobre a intenção de quem escrevera, sobre o que o motivava , sobre a elaboração do texto. Alguém fez a apresentação do autor ali presente, o editor explicou porque apreciava aquela escrita e o gosto em o ter editado . Surgiram perguntas dos assistentes, dúvidas, sugestões, elogios. As respostas vieram em voz calma, simples. O autor a desvendar o processo criativo, a dizer do prazer de juntar palavras, do sentido que lhes quisera imprimir.
De repente, uma pergunta sem resposta. Um silêncio, nada mais que um silêncio. E a resposta esperada que não vinha. Supôs-se ser mais uma forma de ironizar, talvez a continuação da crítica social que o livro é em si. Só o silêncio de quem devia falar e o espanto de quem queria ouvir. Calou-se a voz para sempre. Ali, perante nós, incrédulos,que tínhamos vindo por ele, pelas palavras que escrevera. Ali , esperando a sua voz, restou apenas o silêncio. As palavras escritas, essas, perdurarão na memória de quem as leu, serão lidas por outros. Mas a voz nunca mais será ouvida.

O que é, afinal, a vida?


Pequena homenagem a Alface, escritor , 58 anos, que ontem foi a sepultar no seu Alentejo natal.

.