Raramente escrevo sobre a minha vida pessoal. Julgo que dela nada poderá interessar a quem me lê, aqui na Encosta. Deixo, por vezes, algumas notas , ligeiros sinais dos sentimentos mais fortes que povoam os meus dias. Talvez a escolha dos poemas que faço seja também um indício do que me vai na alma.
No entanto, hoje apetece-me relatar um facto que me impressionou e me fez reflectir sobre a fragilidade da vida.
Ainda triste com a morte recente de uma amiga , decidi participar numa sessão de uma Comunidade de Leitores a decorrer em Lisboa. Discutia-se um livro de autor para mim desconhecido. Uma forma de escrita que me surpreendera. Estava curiosa de ouvir falar sobre a intenção de quem escrevera, sobre o que o motivava , sobre a elaboração do texto. Alguém fez a apresentação do autor ali presente, o editor explicou porque apreciava aquela escrita e o gosto em o ter editado . Surgiram perguntas dos assistentes, dúvidas, sugestões, elogios. As respostas vieram em voz calma, simples. O autor a desvendar o processo criativo, a dizer do prazer de juntar palavras, do sentido que lhes quisera imprimir.
De repente, uma pergunta sem resposta. Um silêncio, nada mais que um silêncio. E a resposta esperada que não vinha. Supôs-se ser mais uma forma de ironizar, talvez a continuação da crítica social que o livro é em si. Só o silêncio de quem devia falar e o espanto de quem queria ouvir. Calou-se a voz para sempre. Ali, perante nós, incrédulos,que tínhamos vindo por ele, pelas palavras que escrevera. Ali , esperando a sua voz, restou apenas o silêncio. As palavras escritas, essas, perdurarão na memória de quem as leu, serão lidas por outros. Mas a voz nunca mais será ouvida.
O que é, afinal, a vida?
Pequena homenagem a Alface, escritor , 58 anos, que ontem foi a sepultar no seu Alentejo natal.
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