quarta-feira, dezembro 21, 2005
segunda-feira, dezembro 19, 2005
Girassóis
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Girassóis (Van Gogh)
desperto ao sentir a chuva tocando o velho telhado desta casa que me abriga os ossos cansados
desperto ao sentir que nada mais importa quando as madrugadas são digeridas em silêncio
você partiu e deixou um mundo escrito em letras miúdas que eu não soube ler.
no meu peito jazem estrelas
sangram cigarras
anjos desenham chuva
e eu não sei mais dos girassóis.
Foi-me deixado este poema , como comentário ao meu post anterior.
A partir do pouco que escrevi, floriu poesia.
Obrigada, Douglas .
sábado, dezembro 17, 2005
quinta-feira, dezembro 15, 2005
A recusa das imagens evidentes
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La page blanche (Magritte)
Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à baínha dum cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.
Natália Correia
domingo, dezembro 11, 2005
Com palavras
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Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs , o rosto
E saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
Para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos , das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar...
Egito Gonçalves
quinta-feira, dezembro 08, 2005
Salto em altura
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Bibliothéque en feu (Vieira da Silva)
Sente-se a variação
na atmosfera do quarto; uma corrente
de ar? com a porta,
as janelas fechadas?
o sopro vem talvez da estante:
poemas, dicionários;
como se a biblioteca desprendesse
substâncias voláteis; ou
que tentam voar; o frémito ,
o pressentimento, acorda
os móveis fascinados; pouco a pouco,
no aro do abat-jour,
onde a diferença é mais sensível,
condensa-se o rumor das primeiras
palavras: afinal, são elas,
e logo que os seus voos,
anteriores à escrita, as precipitam
no papel, começa-se a escrever.
Carlos de Oliveira
terça-feira, dezembro 06, 2005
Quente, o teu coração quente
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Foto de Luis Miguel Afonso aqui
Quente, o teu coração quente
pulsa no lusco-fusco.
Palpita em toda a casa
deserta que nos vê.
Galga as sacadas altas,
corre nas avenidas.
É o silêncio do amor
que abre as veias na tarde...
Quente, o teu coração quente,
é uma estrela no escuro
que a pele das tuas mãos
prolonga em minha pele...
quem te amou e é já morto
renova a primavera.
Oh! doce comunhão
de desejo e infinito,
de saudades e de céu,
de paraíso e grito!
Água clara e tremente
a boca, a sede, a fonte.
Flor de sangue à corrente
o teu coração quente.
Natércia Freire
sábado, dezembro 03, 2005
Poesia
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Marc Chagall
Tu ensinaste-me as palavras simples
as palavras belas
as palavras justas
E fizeste com que eu já não saiba
falar de outra maneira.
O amor substitui
o Sol - que tudo ilumina.
Sonhar contigo é quase como
saber que existo para além de mim.
(...)
Porque será
que quanto mais repartimos
o coração
maior e mais nosso ele fica?
Raul de Carvalho