segunda-feira, junho 30, 2008

Queria que me acompanhasses

Foto de Luís Lobo Henriques


queria que me acompanhasses
vida fora
como uma vela
que me descobrisse o mundo
mas situo-me no lado incerto
onde bate o vento
e só te posso ensinar
nomes de árvores
cujo fruto se colhe numa próxima estação
por onde os comboios estendem
silvos aflitos



Ana Paula Inácio
(in Vago pressentimento, azul por cima)


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quarta-feira, junho 25, 2008

Não é o coração



Não é o coração
mas esta carne
em seu rumor.

Não é o coração
mas teu silêncio
de intenso furor.

Não é o coração
mas as mãos
sem corpo, vazias.

Na grave melodia
de um instante
tu e eu
em desiquilíbrio
na infame
consistência
de um absoluto
obstáculo.



Ana Marques Gastão
(in Nocturnos)



Lamento não saber indicar quem é o autor/a da foto. Encontrei-a na net, guardei-a e esqueci-me de registar onde.
Se alguém souber... agradeço.

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domingo, junho 22, 2008

Quando eu morrer...



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves ( que , como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na baínha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou ( e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.



Maria do Rosário Pedreira
(in O Canto do Vento nos Ciprestes)


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sexta-feira, junho 20, 2008

Depois das queimadas as chuvas



Depois das queimadas as chuvas
Fazem as plantas vir à tona
Labaredas vegetais e vulcânicas
Verdes como o fogo
Rapidamente descem em crateras concisas
E seiva
E derramam o perfume como lava.

E se quiséssemos queimar animais de grande porte
Eles não regressariam. Mas a morte
Das plantas é a sua infância
Nova. Os caules levantam-se
Cheios de crias recentes.

Também os corações dos homens ardem
Bebem vinho, leite e água e não apagam
O amor.



Daniel Faria

(poema encontrado aqui )


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segunda-feira, junho 16, 2008

Paráfrase



Este poema começa por te comparar
com as constelações,
com os seus nomes mágicos
e desenhos precisos,
e depois
um jogo de palavras indica
que sem ti a astronomia
é uma ciência
infeliz.
Em seguida, duas metáforas
introduzem o tema da luz
e dos contrastes
petrarquistas que existem
na mulher amada,
no refúgio triste da imaginação.

A segunda estrofe sugere
que a diversidade de seres vivos
prova a existência
de Deus
e a tua, ao mesmo tempo
que toma um por um
os atributos
que participam da tua natureza
e do espaço criador
do teu silêncio.

Uma hipérbole, finalmente,
diz que me fazes muita falta.



Pedro Mexia
(in Avalanche)

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sexta-feira, junho 13, 2008

Carta

Foto de Sistermoon


Se eu soubesse dar às palavras o rumor lento e raso dos teus dedos
sagrar o ritmo das inconfidências no crepúsculo de um poema
e silenciar as esperas na última pausa de um beijo
deixar-te-ia esta carta num recanto da tua pele.



Sandra Costa
(in Sob a Luz do Mar)


Sandra Costa é autora do site Poesia nas Asas do Vento e do Sol e do blog Tubo de Ensaio . Vale a pena ir até lá.

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Através de um comentário deixado hoje neste post, verifiquei que as autoras do site e do blog referidos acima, não são a mesma pessoa.
Sandra Cristina Martins Costa é a autora do poema e do site Poesia nas Asas do Vento e do Sol.
Sandra Cristina Fernandes da Costa é a autora do blog Tubo de Ensaio.
A semelhança dos nomes, e o facto de ambas se identificarem ,apenas, como Sandra Costa, deu origem ao meu equívoco.
Aqui fica a correcção do erro e o meu pedido de desculpas.

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segunda-feira, junho 09, 2008

Não é tarde


O amor é como o fogo, não se propaga
onde o ar escasseia. Mas não te preocupes,
eu fecho mais a porta.

Gestos e paveias, acendalhas, o isqueiro
funciona! Poderoso combustível
é o corpo. Acende deste lado.

Ainda não é tarde, foi agora anunciado
pela rádio, são dezoito e vinte cinco.
Respira-nos, repara, a ilusão

de que a vida não se esgota, como os saldos
de verão. E a morte, à medida que te despes,
vai perdendo o nosso número de telefone.



José Miguel Silva
(in Ulisses já não mora aqui)

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segunda-feira, junho 02, 2008

A casa



Sempre se conheceu o vento de Junho
nessa orla, que regougava nas esquinas
da casa à noite e nas manhãs ansiosas
em que voltava a aragem matinal
deixava irremediavelmente os frutos
a juncar a terra e os atalhos.

E sempre se lamentaram as velhas pancadas
do vento, no seu ritmo marítimo, a exaltação
a que nos levava, permanentes povoadores
da costa. E para lamentar dizíamos
as palavras usuais e alguns suspiros
próprios da insónia de ouvir o vento.



Fiama Hasse Pais Brandão
(in Obra Breve)

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